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domingo, 7 de dezembro de 2014

Amém procês tamém

Agora que isso aconteceu, conosco e com cada um de nós, estou em dúvida.

Qual é o entendimento disso? Para o quê esse entre servirá, na hora de entrar? Como isso se modifica? Como aguentar por mais tempo? Como observá-lo de longe, de perto? De que modo um novo olhar? Como atravessá-lo, sem sair daqui?

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Uma compreensão acerca da experiência do dia 25 de setembro

Marcinha orientou o aquecimento/alongamento, propôs um exercício em que ela dizia o nome de uma/um de nós e, durante um tempo, o restante do grupo tentaria executar os mesmos movimentos dessa pessoa escolhida. Foi como se estivéssemos dançando coreografias (inclusive com o uso da voz) criadas ao vivo ali naquele instante. É um exercício rico em possibilidades. Já fizemos algo semelhante com orientação da Giselle, mas lembro que o foco era fazer movimentos de aquecimento.
Depois buscamos retomar a elaboração do elemento “Rede”, do Aglô. Como nunca estamos todxs juntxs nos ensaios, devido aos nossos novos horários, decidimos coletivamente que apenas 4 pessoas coreografariam percursos curtos pelo espaço, com a possibilidade de encontrar e interagir com outra(s) pessoa(s). A regra: interagir de alguma forma ao passar por alguém. A interação pode ser o mais sutil possível, só não podemos ignorar o que se passa ao nosso redor.
Em seguida deveríamos passar esse percurso demarcado para as pessoas que não estavam presentes nesse dia. Somos 9, então ficaríamos duas pessoas para cada percurso e um percurso poderia ser dividido entre 3 pessoas (ou então uma pessoa teria um percurso só dela. Isso ainda pode ser feito, só temos 4 percursos).
Antes do início da cena devemos decidir quem vai começar o percurso e a pessoa que não está executando o percurso pode, andando perto das paredes ou do público, entrar a qualquer momento na Rede, de modo que sua/seu parceirx-de-percurso entenda que a/o outrx parceirx-de-percurso está entrando no seu lugar. Se a pessoa que estava fora demonstrou que vai entrar, a de dentro deve imediatamente sair da Rede, dando espaço e ficando paradx perto das paredes ou do público, podendo, também, a qualquer momento, decidir entrar no jogo.
As pessoas que vão aprender os percursos criados podem criar novas relações com as pessoas que podem encontrar pelo caminho, tendo total liberdade nessas interações, o que é mais uma oportunidade de explorarmos as figuras/personagens/estados que estamos buscando individualmente.
Depois retomamos o elemento "Ossos" e ficamos durante um bom tempo explorando relações a partir das sensAções "tédio", "desinteresse", "preguiça de sentir", "falta de concentração" etc.
Também repassamos a coreografia que abre o Aglomerados e tivemos a certeza de que precisamos passá-la pelo menos uma vez, todas as terças e quintas.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Então vou escrever sobre a experiência: o vivido. O misturado. A percepção sobre a experiência que chegou do dia de ontem, que se iniciou com um aquecimento mais sistemático. O tempo de execução dos movimentos estabelecidos pelo condutor do movimento. Ainda percebo minha ansiedade em relação a executar movimentos que não são meus. É uma ansiedade que precisa ser trabalhada. São vários fatores que estão em jogo para mim: o movimento, o tempo de cada movimento, a coreografia, a propriopercepção, a dificuldade que ainda existe. O processo. O exercício de presença sobre aquilo que se quer descobrir, aprender, experimentar, desconstruir, desautomatizar, arriscar-se em busca da consciência do que se faz. Presença. Aquecemos com movimentações já experimentadas, isso me fez perceber o como meu corpo estar diferente em relação a essas experiências de movimento. É a apropriação a partir do vivido, a inteligência que o corpo adquiri com a experiência. E isso é o tempo. O processo. Depois partimos para exercícios de foco e espacialidade, em que tínhamos que executar a partitura tanto para o lado esquerdo quanto para o direito. Também trabalhamos o detalhe de execução do movimento, onde ele se inicia e onde ele se finaliza. A percepção que tenho é que o engajamento é a potencialidade para execução do movimento. Quanto mais me engajo em algo mais destrincho suas potencialidades. Mas percebo que isso ainda é um trabalho tímido em mim, quando tenho que exercitar o movimento por coreografias me sinto escondendo atrás das pessoas pra poder executar a coreografia, senão não me acredito. Mas isso tá melhorando com o tempo. Mas tenho percepção que isso é um exercício também de libertação, até pra dizer que não gosto de coreografias, mas me desafio nelas. Tem dias que é mais gostoso, outros nem tanto e faz parte do meu processo. Passado o aquecimento, partimos para experimentação da rede no aglomerados. Repetimos inúmeras vezes a rede para perceber o momento de encontros, os nãos encontros, a composição que era possível com os corpos que andavam e procuram algo que pode se dar ou não no encontro. Às é um desistir que gera outra coisa, outras vezes é o encontro interessado que gera a profundeza, mas no fim tudo gera uma escolha. Executei eternamente a topografia do Lupe, e a partir disso fui criando minha conexão com espaço e com os possíveis encontros. Muitas possibilidades foram surgindo na experimentação, mas percebemos que é preciso estabelecer certas ordens para que fixemos encontros potentes que surgiram durante experimentação. Trabalho de apropriação do que se faz mesmo. Depois experimentamos a dancinha do final da rede que desemboca na euforia coletiva. Dessa vez o Gustavo ia falando coisas sobre si (?) para os casais que poderiam olhar pra ele, mas o interesse era pouco. No mais a relação era de não escuta pela figura do Gustavo, e também poderia ser da parte dele? O que me interessa no outro? Depois de finalizada a dança dos casais e a dança coletiva o Ricardo ia falando coisas curtas e desconexas sobre a vida, que ora fazia sentindo, outras eram bla blas. Me deu muita sensação de uma pessoa que fala simples em que muita verdade é dita sem precisar de uma erudição sobre o que se pensa.

A descrição do vivido de ontem tá misturado com minha experiência, não consegui fugir disso.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Engrossar o caldo

Temos trabalhado muito no esforço de voltar e voltar e voltar para o material tentando enxergar no que consiste isso de que estamos falando, o que suscita, de onde vem e para onde vai, por que queremos falar disso, por que importa, onde está o material na vida e como colocar vida no material. Hoje, 2 de outubro, reproduzimos (ou reperformamos, hehe) o aquecimento da terça feira, alongando e dançando, desenhando no espaço, integrando os sentidos. A percepção começa a revelar o pulso da sala, dos outros, do que está fora dali, ausência e presença criam dinâmica criativa: imaginação e corpo, perceber e aproveitar. Estamos nos adaptando ao espaço e ao desenho dos corpos indicando relação. Brincamos de perceber e oralizar o percebido. Essa ação de traduzir a percepção abstrata em palavra hoje nos fez refletir sobre a sociedade que Aglomerados traz para a cena: lugar de muita paranoia e invasão, onde as pessoas se olham e pensam milhões de coisas umas sobre as outras em suas cabeças, num trabalho silencioso que nos faz pensar sobre por que se tem tanta dificuldade de externalizar a opinião sobre o instante, o outro e o mundo. De perceber e reconhecer isso pela fala, eu aproveito aquilo que percebo.  Esse jogo que para o improviso na arte pode ser silencioso, quando falado, confesso, também aparece como uma interessante narrativa livre do movimento no presente. Eu que me sinto por vezes tão dependente do sentido, da interpretação, me sinto impulsionado pelo reconhecimento do que estou aproveitando em forma de palavra. Quando já não falo pela voz o que aproveito, mas sigo aproveitando, o foco exercido anteriormente para produzir a narração do que aproveito parece permanecer no corpo como um pulso que a cada instante reconhece o movimento, a continuação e gera consistência no gesto. Seguimos por esse percurso de sermos consistentes e entramos na coreografia pés devagar e sem a música que geralmente a acompanha. Saí para criar um olhar externo e sugeri que essa entrada na coreografia fosse gradual, na tentativa de mantermos a atmosfera de abertura, do estado de percepção a que a experiência até então construiu. Foi muito interessante perceber o impacto da ausência da trilha nessa primeira coreografia, somado à construção gradual da cena, de forma que o aglomerado está disperso, como temos experimentado frequentemente, de nos manter nos cantos, nas paredes, nas expressões do tédio enquanto o público entra e se depara com corpos que deslizam displicentemente pela paisagem. O elemento inicial da coreografia, nessa experimentação, foi gerando um crescente envolvimento dos pés no prenúncio da coisa. A insistência em caminhar pelo espaço denotava a relutância de seguir em vida, a caminhada mecânica e nonsense de seguir em frente a que, para mim, a primeira coreografia remete. Mais adiante, hoje, experimentamos usar o recuo do olhar para compor com estados de constrangimento e de uma atitude pouco comunicativa, acanhada, que diz respeito à paranoia: pensamos muito quem passa ao lado, mas não experimentamos verdadeiramente essa relação, para todos os efeitos ela é mais do domínio da fantasia do que da vida e do corpo. Isso fez compor uma atmosfera nova de tensão dos corpos em toda a primeira coreografia. Gustavo e Ricardo experimentaram bastante cada célula dessa primeira parte, buscando reconhecer lugares pelos quais transitam no interior das formas da dança: o que dá vida a um movimento coreografado? Sobre as primeiras passagens de hoje, comentamos a presença de momentos borrados em que a atitude experimental do paranada e da livre improvisação parecia fazer com que permanecêssemos no mesmo lugar de muita indeterminação que por vezes o improviso permite, sendo que pode ser que seria bom que usássemos a brincadeira do paranada justamente para exercitar a tal plenitude e sermos capazes de reconhecer a proposição de um estado que sustenta essa consistência na cena... estou supondo só... mas juntos tivemos uma percepção geral de que há distância entre a reflexão que temos do Aglomerado como um acontecimento que cada um de nós vivencia vida afora e aquilo que é vivido em cena como uma apresentação desse quadro, ou uma vivência em recorte desse quadro. Isso quer dizer, podemos ir mais a fundo nos materiais e perceber sutilezas no corpo e na imaginação que vão preencher momentos e momentos que levantamos, para cada um, trazendo de fato provocações do cotidiano, como por exemplo o fato de que ao observarmos algum desconhecido na rua, frequentemente formulamos algum dado sobre a pessoa, assim como no brincar de eu percebo que. Experimentamos então em cima de um diálogo silencioso que ocorre no interior da coreografia. Jogamos com o diálogo mental entrando em cena e saindo, com voz, sem voz, falado e em seguida apenas pensado, como a paranoia, a opinião silenciosa que cada um no Aglomerado tem sobre o mundo, muitas vezes tão particular que nem chega a ser falável, mas apenas sentida. Paira no entanto uma atmosfera de diálogo reprimida que trouxe evidente transformação na postura dos corpos a partir de então. Ricardo e Gustavo jogaram com parar de falar e só dançar, só dialogar com fala e sem dança, só um dança enquanto dialoga com o outro parado e aos poucos fomos percebendo a necessidade de evitar o enfrentamento um do outro, para então de fato recriar uma atmosfera genuína de diálogo silencioso. Experimentamos então pensar num comentário específico que ficaria ecoando na cabeça, no regime do eu percebo que, como que desejando ser falado. Vivi esse exercício no workshop com a Jo Kukathas: buscar fazer com que a palavra deseje ser falada para que antes disso ela se acomode no corpo, como opinião corporificada. Para nós, nessa primeira coreografia ela não seria falada nunca, no entanto foi fundamental para estabelecer uma relação muito curiosa entre os dois. Em príncipio parados, formularam essa opinião um sobre o outro, evitando se enfrentarem ou se invadirem com o olhar, muito mais flertando com a visibilidade do outro, percebendo o outro sem querer ser percebido. Nuances surgiram quando a dança começou e uma pulsão estava no interior da dança. Ela não precisa ser dita, mas eu diria que é muito importante que ela esteja lá. Foram incríveis momentos de muita comunicação sutil, diminuir o gesto, subtrair a caricatura, coisas de que já falamos muito e que hoje havíamos enfatizado quando discutimos a nossa progressão no tema e nesse trabalho. Morri de rir de alguns trechos da experimentação dos dois: muito estranhamento, muita possibilidade de me reconhecer neles, naquela situação com tantas componentes: de voyeurismo, de desejo reprimido, de pequena alegria, de pequena melancolia, mas que apenas vibra por baixo dos corpos que permanecem no cotidiano plano, corpos mudos amontoados no aglomerado, embora as intenções reprimidas pareçam dizer tudo. Um outro experimento a partir desse caminho veio de um desejo que tive de experimentar uma proposta de final, como falamos na terça. Pedi para que os meninos construíssem um trajeto experimental, que não precisava corresponder ao do espetáculo exatamente, mas que passasse pelos estados de cada cena em um minuto até chegar à rede, onde Gustavo e Ricardo estão juntos de novo, para mim é como se ali se reencontrassem, como na vida cotidiana: se vendo e revendo e produzindo sentido um sobre o outro aqui e ali. Em seguida passamos para um lugar em que a proposta era que começassem a conversar, a pretexto da situação de roda que temos quando vamos do bolinho de historia de un amor que vai aumentando e ficando excêntrico a ponto de que as pessoas começam a trocar alguma ideia umas com as outras. Foi o que fizeram. Em determinado momento sugeri que enquanto um fala, o outro começasse a se dispersar, ao mesmo tempo que quem fala começa a se perder do interlocutor também, falando para si e de maneira cada vez mais particular, a fala cortada, como que para o espelho. Aquele que ouvia também começa a conversar sozinho e de repente todos estão sozinhos de volta, altamente reflexivos e conversando... consigo mesmo.  O burburinho dessa cena experimentada assim ficou muito interessante, cheguei a entrar em cena também, como quem também começou o processo de falar sem se importar com quem, e pouco a pouco nos tornamos uma massa de vozes com os olhos voltados pra dentro, a cabeça baixa ou pro alto, ou para longe. Enquanto isso, um e outro vai desistindo, saindo pela porta, encostando nas paredes, se recolhendo, até que o palco fica vazio. O sujeito do Nem Aí, como a gente conversou é o cara que começa a se sacar no meio do sistema. Talvez ele comece aqui. Embora sozinho, ele está mais consciente, resta o palco vazio e já estamos em posição de encará-lo. Quem encara o espaço vazio, inevitavelmente de algum modo quer ou vai preenchê-lo. Creio que é o que fazemos no trabalho seguinte, começar a criar a partir de tanta reflexão, tanto blablabla na cabeça paranoica. Começamos a desejar a presença, mas a estrada da vida, já sabem, né, é longa e não se pode parar...

Espero ter conseguido comunicar um pouquinho da rica experiência de hoje. Temos videozinhos, depois vamos postar e incluo aqui nesta postagem. Na terça podemos trazer também essas proposições concretamente e verificá-las mais e com todo mundo, principalmente para primeira cena, como experimentar fazer sem música a primeira rodada, em seguida a música entra para segunda rodada. Também sugeri, venho pensando nisso, experimentar com o audio pout-pourri de notícias e etc. que produzimos. Enfim, ideias para tomar corpo. Beijocas.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Um segundo no palco.

Abertamente,

assumo minha falta de posição para soltar opiniões das quais não tenho certeza. Porém, tento escrever o que vem me inquietando e assim poder discutir minhas inquitações fazendo arte. Em qualquer momento do teatro que venho fazendo tenho depositado minha sinceridade. No N.E.M não é diferente. Me atrevo a descrever minhas reflexões a cerca disso. Mesmo sabendo que acordarei amanhã contráditório ou talvez mais certo. Eu espero ansioso pelo despertar contradiório de cada dia. Estar certo não me ajudará a me revelar e a me desnudar. Este texto foi escrito ao reler o capitulo "Exatidão" da obra de Italo Calvino: 6 propostas para o próximo milênio, e é um desabafo. Estou inquieto.


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O fazer é extremamente primordial, assim, como a decisão. O que deve ser feito precisa ser decidido - e se deve fazer uma decisão. Entendo sobre profundidade de todos os materiais e imateriais com pesquisa interna. Atento. Pois dali, apenas dali sairá decisões. O mundo não possui decisões. O mundo não pode decidir por mim.
Entendo agora o clichê e dele me utilizarei apenas para que algo realmente seja vago por que decidi. Decisão estabelecida por consciência de que algo pode ser vago. Que tudo realmente seja consciente. A conciência é a certeza da sinceridade. É nela que reflete qualquer dúvida, atitude, ações, afirmações. Não existe qualquer sinceridade inconsciente. A isto damos um nome de inocência. E a inocência é uma ignorancia clamufada por falta de experiências e informações. 
A sinceridade deve rever todos os aspectos sem preconceito. Tem de saber lidar com os dois lados da moeda sem que o preço signifique mais que seu simbolo e vice-versa. 
A conclusão de fatos me traz uma epifania, devo entender a epifania, antes de criá-la e soltá-la no mundo. A epifania é ainda uma sensação eterna de vômito preso na garganta- quente e ardente: um sofrimento. A reflexão e o entendimento da epifania deve-se a uma série de fatores vindo de experiências, coragem, força de vontade, e logo após o vazio. Se não houver fome após o esvaziamento, a sinceridade não vale de nada. Estará solta, singular, sozinha, perdida sem futuro, e sem continuação. Pois o mundo vai tentar, então, decidi-la por você. Uma sinceridade já decidida anteriormente, corre o risco de ser redecidida por outro. E isso é algo que não sou contra de maneira alguma. Não recuso as visões diferentes que podem tornar a sinceridade totalmente contrária ä epifania de origem, porém, ao se lançar algo sincero, ele deve ser de responsabilidade de seu criador.
O sistema digestório foi escolhido como metafóra, e admito que por me soar mais forte em relação ao respiratório ou circulatório que me passam uma condição de leveza, doação - generosidade.
Uma sinceridade não pode ser generosa, ela não deve querer ensinar nada a ninguém, mas sim, confortar personalidades pelo simples fato de que decidir nos leva a fazer e fazer nos leva a expressar e a espressão é a melhor maneira de vida, de criação de vida. Movimentação, estrela de cinco pontas.
A sobre-vida ou sobrevivência, como preferirem, está na epifania que não possui experiências, e informações para crescer e criar vida sozinha, e logo após ser recheada novamente por seus responsáveis e pelos novos responsáveis. Um sobrevivente é apenas uma flor que não floreceu, não por condições do clima ou terra, ou por alguma ação externa, mas porque simplesmente não floreceu. Não foi avisada de que podia, não sabia.
Um sobrevivente não consegue ser sincero. Está sempre no entre. Entre suas condições, planos e sonhos - Este ultimo longiquo. Um sobrevivente espera alguma decisão do mundo de quando poderá fazer uma horta ou ter tempo de começar a gostar de lavar louça.
A sinceridade já foi decidida. Há muito tempo se confunde sinceridade com imediatismo, ou impulso, ou falta de um segundo pensamento, contudo, antes de seu nascimento, a sinceridade possuia a idade de todo o universo apenas como epifania, até que o estômago do espaço-tempo decidisse que a epifania tenha pernas para andar e boca para falar por si só.
Logo, presumo e entendo sinceridade como a forma mais neutra e rápida de comunicação - uma vez que cada sinceridade tem poder de gerar mais epifanias e assim mais sinceridade. Algo não sincero não é algo decidido. As mentiras são inventadas e criadas sem alguma epifania. São desde já natimortas.
A mentira é a rainha dos sobreviventes. Por isso a hipocrisia daqueles que não vivem. Infelizmente alguém vem roubando as epifanias de forma indireta. É preciso alimentar as epifanias, caso contrário elas não se tornarão sinceras, desta forma nascerão natimortas. Mortas de fome em plena gestação.
É extremamente necessário fazer. É obrigatório a aqueles que possuem possibilidades e sorte de serem sinceros. Capazes também de desvendar epifanias a si mesmos e serem sinceros a si mesmos.
A decisão não está no mundo, mas nele está o fomento, e este fomento não deve ser negado ou ocultado ou pior: extraido. Ninguém tem o direito de me roubar o entendimento de uma epifania.
Aos sinceros: Sejam sinceros. Esconder sinceridade podendo ser sincero é o pior crime e o flagrante condiz com 20 anos de prisão em qualquer mundo indefinido. Não ser sincero é roubo. 

É roubo passivel de pena eterna num mundo cada vez mais enganoso. 
Logo... Decidam-se.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014


Registro de experimentos do NEM dentro e fora da sala de ensaios, ao longo dos anos de 2013 e 2014. Os materiais formam parte dos trabalhos "Aglomerados" e "Nem aí", ambos em processo de desenvolvimento, apresentados em regime de ensaio aberto.

sábado, 19 de julho de 2014

Aglomerados (ensaio aberto)

Aglomerados é resultado da pesquisa sobre "disponibilidade" na sociedade contemporânea, que teve início em março de 2013 e foi apresentada em forma de ensaio aberto em dezembro do mesmo ano. O trabalho passa agora por desdobramentos e encontrou novos aportes temáticos, como o tédio, a falta e o amor.


SINOPSE:
Dia após dia... dois, três passos... depois pára. Estou indo... vou sendo, andando, sou uma coisa que afeta. O mundo está cansado de viver? Corpos se cruzam sem se esbarrar, duros, rígidos. E se de repente, por acidente, acontece um olhar, o que acontece?

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Eu sou o maior problema do mundo

Em meio a tudo aquilo que aparentemente existe, eu me sinto um ser muito específico. Eu sou um acontecimento material, que nem uma planta, uma chuva ou uma montanha, mas que tem como principal diferencial a capacidade de me desdobrar sobre mim mesmo. Eu me olho do alto, de dentro e de longe. Eu me reinvento. Sou certamente meu maior problema. Enquanto o mundo basicamente acontece, eu não tenho outra alternativa do que a de acontecer por meio do meu corpo e disso que sei que acontece por meio dele e que chamo de eu. Estou indo... vou sendo, andando, sou uma coisa que afeta. Nunca me desinteresso da temática do egoísmo. A cada olhar que evito, ou a cada vez que me constranjo, eu imagino: por que? Por que a ideia de me tornar evidente e/ou presente me aflige e amedronta? O ator erra quando teme a assunção do instante, e deixa de ser pleno e verdadeiro. Quando deixa de lançar para fora (ou para frente) aquilo que vaga abstratamente por dentro de seu corpo e que ainda é ideia (um algo não corporificado). Onde está alojada a ideia e qual é o caminho da ideia até o mundo? Me parece que em última instância, tudo, absolutamente tudo que sabemos que ocorre, ocorre no corpo. A vida percebida pelo sujeito acontece no corpo e o corpo é feito de tudo de que é feito tudo! Somos o que comemos e deixamos de ser o que cagamos. Assim como, me parece, somos apenas o que sentimos. Não dá para saber algo que de certa forma eu já não tenha sentido, e que por isso posso pelo menos intuir o que seja. Assim, portanto, desistir de se expressar, por vergonha, preguiça, constrangimento, covardia, desinteresse, burrice, depressão, etc etc etc etccccccc.... é também negar a dimensão de presença de que é dotado o corpo (e portanto eu mesmo) e sua potência comunicativa: a potência de tornar as coisas comuns entre seres vivente e não viventes.

Não existe o tédio e tudo é interessante?

Não existe o tudo e tudo é entediante? Qual é a utilidade do tédio e por que é tão entediante ser meramente útil? O que me parece chato e perigoso é quando me sobrevem uma incapacidade de inventar o instante. Como estamos num momento do mundo muito caracterizado pela crise do corpo (eu, você) e dos corpos associados (empresas, cidades, doutrinas), me parece sempre que estamos cotidianamente vivendo conflitos a serem solucionados e/ou doenças a serem curadas e essa sensação de um mundo em terapia me provoca um imenso cansaço de viver. Sonho com uma vida em fluxo, conduzida pela sensação no seu sentido mais bobo: ser capaz de lidar com o que me cerca a partir de uma capacidade de me ausentar e me presentificar. Talvez isso seja o mesmo que ser capaz de escutar e falar, de variadas formas, mas de modo que eu visse a possibilidade constante de responder ao mundo me potencializando e crescendo sem me enfraquecer tão constantemente por conta de uma falta de estímulo que, eu acredito, tem a ver com a qualidade de expressividade que caracteriza nossa vidinha cotidiana. Me sinto amedrontado pela vida e sinto que a maior parte da minha energia é canalizada para elocubração de paranoias egocêntricas. Como esta! A maior parte do tempo, me iludo numa noção de que estou solucionando problemas humanos, mas na verdade só estou lutando com a minha incapacidade de ser plenamente. Percebo que tenho um ideal de plenitude, algo que talvez eu pudesse chamar de verdade, já que me soa tão verdadeiro quando vivencio esse... estado. Mas que na maior parte do tempo, não tenho a capacidade de exercê-lo. Me pergunto se o estado de presença é algo que só possa ser acionado para a arte (o acontecimento! o espetáculo!) e que o cotidiano não daria conta de seres humanos presentes demais... não quero me deixar ser tomado por esse pensamento porque ele me deprime. Tenho preguiça de raciocinar demais sobre isso e habitar para sempre uma reflexão: habitar uma virtualidade. Mas creio que não. A minha experiência, não de vida, mas na vida, é de constante tentativa de comunicação. A maior parte do dia estou constrangido, mas nunca todo o tempo. Sinto sempre o fio se partindo, e o que se presentifica é o meu medo, o meu receio de ser em conjunto. Tenho medo, porque isso pode (fico pensando) me gerar desprestígio, isolamento... solidão, incertezas... Quero me relacionar BEM para que isso faça com que eu continue a me relacionar BEM! Por isso não vale tudo quando se tem o rabo preso. Porque me saboto a maior parte do tempo, cedendo espaço à ilusória paranoia sobre errar e acertar (que eu mesmo alimento), me torno meu maior problema. Quem irá me julgar por ser tarado se sou carente de qualquer contato? A expressividade é uma questão de saúde pública e as crianças ainda são educadas na linha homem não chora. A criança reprimida e o pervertido sexual são a mesma pessoa. Um problema quando cresce: aparece! Quem pode lidar com o problema de não ser? Somente aquele que não é? O que posso fazer para aparecer? Te chamar para me olhar e esperar que a segunda missão seja inventada por ambos? Quando todas as pessoas se colocarem em cena, os atores vão ganhar dinheiro com o que? Haverá por quê trabalhar? Quais serão nossos principais problemas? Eu não me aguento com isso...

quarta-feira, 21 de maio de 2014

CORAGEM AMOR, CORAGEM

O nome que se dá ao amor
Seja ele qual for,
Ou qual tipo seja
No primeiro gole de cerveja
Molha e mergulha as palavras
Talvez você saiba
Que arame que fura farpado
Mata o amor de infarto,
Que não é brincadeira

Cerca cercando
Gaiolando prendendo
Os braçøs abafando
O amor se encolhendo
Quase se convencendo
De que é assim sempre
O amor abafa a gente
Que nem polícia faz,
o amor é assim, né rapaz
corrente,
que prende
e
para.

Parem!
A minha boca fala de outro amor
amor coragem
Que é alicate
Torando a cerca
De qualquer pastagem

Amor Coragem
Que age
Sem mascara, sem disfarce,
Que escreve na própria face
As marcas da vida
Essa ideia fudida
De propriedade
Vai deixar de existir

Coragem, amor, coragem
Pois as pernas são pra caminhar
Pular catraca,
correr da repressão,
dançar na rua,
subir ladeira,
chutar bomba de opressão
as suas pernas amor,
são pra se confudir com as minhas
quando nessa estrada
tu caminhas e vai longe
e vai porque carrega
de monte
o movimento
das coisas

Coragem amor, coragem
Pra derrubar as dores que perseguem essas dias
Derrubar a apatia,
E claro, o presidente
Eu sei que nessa cidade tem um monte de gente
Que não liga para nada do que se diz
Eu ouvi,
Mas é que a coragem é assim
Rebelde, ousada,
Não respeita nada
E quando se junta com amor
Ela é o que há de mais revolucionária


CORAGEM AMOR, CORAGEM

https://soundcloud.com/pedrobombapoesia/amor-coragem

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A cidade e as trocas

extraído de As cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino: (grifos meus)


"Em Cloé, cidade grande, as pessoas que passam pelas ruas não se reconhecem. Quando se veem, imaginam mil coisas a respeito umas das outras, os encontros que poderiam ocorrer entre elas, as conversas, as surpresas, as carícias, as mordidas. Mas ninguém se cumprimenta, os olhares se cruzam por um segundo e depois se desviam, procuram outros olhares, não se fixam.

Passa uma moça balançando uma sombrinha apoiada no ombro, e um pouco das ancas, também. Passa uma mulher vestida de preto que demonstra toda sua idade, com os olhos inquietos debaixo do véu e os lábios tremulantes. Passa um gigante tatuado, um homem jovem com cabelos brancos; um anã, duas gêmeas vestidas de coral. Corre alguma coisa entre eles, uma troca de olhares como se fossem linhas que ligam uma figura à outra e desenham flechas, estrelas, triângulos, até esgotar num instante todas as combinações possíveis, e outras personagens entram em cena: um cego com um guepardo na coleira, uma cortesã com um leque de penas de avestruz, um efebo, uma mulher canhão. Assim, entre aqueles que por acaso procuram abrigo da chuva sob o pórtico, ou aglomeram-se sob uma tenda do bazar, ou param para ouvir a banda na praça, consumam-se encontros, seduções, abraços, orgias, sem que se troque uma palavra, sem que se toque um dedo, quase sem levantar os olhos.

Existe uma contínua vibração luxuriosa em Cloé, a mais casta das cidades. Se os homens e as mulheres começassem a viver os seus sonhos efêmeros, todos os fantasmas se tornariam reais e começaria uma história de perseguições, de ficções, de desentendimentos, de choques, de opressões, e o carrossel das fantasias teria fim."


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Por algum motivo, para mim, esse trecho remete ao conceito de Self-Obliteration (auto-obliteração) da Yayoy Kusama (que estava em exposição no CCBB). Ela prega a auto-obliteração como única maneira de se "salvar" de um mundo de "desejos sórdidos", que envolvem os indíviduos em "frustrações sexuais" geradas numa sociedade reprimida. Em uma carta, ela diz que só quando essas frustrações forem ultrapassadas, conseguiremos retirar do sexo a centralidade que insiste em lhe ser atribuída e experimentaremos livremente a diversidade de temas e vivências da experiência humana na arte e no cotidiano como arte.

"Self-obliteration is achieved through the protagonist’s physical death while salvation is
made possible through surrendering  itself to the state of nothingness and void." - algo como: a auto-bliteração é alcançada por meio da morte física do sujeito que a protagoniza, enquanto a salvação só é possível por meio da rendição de si mesmo à condição de insignificância e nulidade.

Não entendo muito da Kusama, mas é um link possível. Penso bastante que a angústia gerada pela dependência emocional tem a ver com a centralidade do sexo e o hábito de encarar a vida humana fundamentalmente pela literalidade do sexo, enquanto que se o ato sexual e as relações pudessem ser encaradas como apenas um procedimento de troca energética (sem misticismo!), ele equivaleria a qualquer outro momento da experiência de presença, que é intensa e dinâmica (se estabelece na troca). Nesse sentido, qualquer produção de presença tem o potencial de provocar o êxtase, o orgasmo: ponto alto de excitação corporal. Penso assim e acredito que talvez a outra ponta da apatia (e da introversão) seja, quem sabe, o êxtase, o orgasmo. Por um orgasmo em todos os órgãos, visualizo produções de presença em grande escala: é preciso olhar dentro dos olhos e exercitar deixar-se ver em vez de ver, deixar-se ser olhado, em vez de olhar, perceber-se sendo flagrado em sua existência, como se algo, de repente, no meio de tudo que apenas flui em imensa ignorância localizasse você e se conecta-se por um instante. Isso significa o que? Por que isso parece bom? Vejo cabeças com olhos que olham pra dentro - como se não estivessem presentes - corpos que se cruzam sem se esbarrar (como em Cloé) - que nem atores, quando alguém pede 'caminhando pelo espaço'. Duros, rígidos. E se de repente, por acidente, acontece um olhar, o que acontece?

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Afeto em Espinoza: esperança

É preciso olhar para esses conceitos levando em conta que o Espinoza divide todos os afetos entre grupos de alegria e de tristeza, em que a alegria é tudo aquilo que tendo provocado o corpo, o potencializa; e a tristeza, tudo aquilo que, tendo provocado o corpo, o diminui ou reprime em seu potencial de ação. Ele diz:

"Qualquer coisa, pode ser, por acidente, causa de esperança ou de medo." já que para ele, não há esperança sem medo, nem medo sem esperança. Isso caracteriza uma tensão de afetos: uma flutuação da alma (ou do ânimo).

Sobre a oposição (explícita) entre esperança e nostalgia, eu me equivoquei (apesar de me fazer sentido). Ele faz um paralelo entre esperança e medo, na verdade:

"Com efeito, a esperança não é senão uma alegria inconstante, surgida a partir de uma imagem de uma coisa futura, de cuja realização duvidamos. Por outro lado, o medo é uma tristeza inconstante, surgida também a partir de uma imagem duvidosa. Se desses afetos se suprime a dúvida, a esperança resultará em segurança, e o medo resultará em desespero. A satisfação é uma alegria surgida a partir da imagem de uma coisa de cuja realização duvidávamos."

Achei um artigo interessante que fala da flutuação:
http://www.fflch.usp.br/df/espinosanos/ARTIGOS/numero%2018/valeria18.pdf
"A flutuação do ânimo ocorre por obra da variação do conatus, ou seja, do esforço do indivíduo de perseverar na existência em seu duplo aspecto: mecânico (para manter a relação de movimento e de repouso que o caracteriza) e dinâmico (para aumentar sua potência de agir)"

... e outro Sobre o medo e a esperança em Espinoza:
http://uninomade.net/wp-content/files_mf/113003120859Sobre%20o%20medo%20e%20a%20esperan%C3%A7a%20em%20Baruch%20de%20Espinosa%20-%20Gerardo%20Silva.pdf


sábado, 19 de abril de 2014

angústia do colapso

me fale sobre ritmo e convergência.
me fale sobre como as coisas se encontram e se encaixam.
me fale que vai chover e virão aquelas flores.
me fale da paciência, da esperança, de como controlar tanta ansiedade de amanhã.
me fale sobre como não renunciar, desistir, resignar, negar, fechar, evitar.

eu te falo que não sei quem sou,
eu não sei quem sou e tenho medo de não sabê-lo nunca.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

uma mulher caminha pela cidade. uma mulher no seu cotidiano de expurgar a dor caminha pela cidade sem destino. caminha com  brasília de mãos dadas. caminha sem saber pra onde, nem como e nem quando irá parar. observa o tempo no balançar do parquinho na 402 norte. o tempo foi deixando de existir e o silêncio manso ocupou o vazio do corpo da mulher. uma mulher se perde no meio da noite. e por se perder vai se lembrando da folha que cai. 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

E nos meios e entres desse vazio de que tanto falamos e tentamos escapar, porque a solidão amedronta mais que tudo, seja pobre, rico, brasileiro ou chinês, as fagulhas de alegria. os momentos de barriga cheia de esperança. Vale correr, pular, fazer uma ligação de gratidão, um vinho tinto, dançar a dois, sozinho, uma lua bem cheia, qualquer coisa. A tristeza é produtiva mas ela não tem fim, a felicidade sim. Por isso o mergulho arriscado, porque ela voa como pluma e passa. Tão rápido. E não está aí dentro do celular, mesmo dormindo e acordando com esse querido mas duro companheiro. Um outro corpo é necessário? Felicidade não tem muita graça se não compartilhada... É bom dizer, mas dizer não significa vender ou filtrar pra mostrar para o mundo como se está feliz. Dizer pra quem? Por que? Não se ama só por inbox, não se vê estrelas cadentes rolando a linha do tempo, não se desvenda alguém, mesmo que haja olho no olho via webcam. O que quero dizer é que a gente se esfrega e se enche de vida, pra depois cair num tédio infinito de morte, e como robôs andar por aí banalizando tudo, e de repente um sopro de novo, um encontro, um leãozinho, uma música africana, ser mãe, e de novo a ansiedade e a busca, o labirinto, a miséria. O buraco vai sempre existir, mas também o impulso vital, eros. Post it: Não perder a capacidade de se encantar com as coisas.

http://awebic.com/pessoas/experimento-felicidade-gratidao/

quarta-feira, 9 de abril de 2014

"Vivemos em um mundo desagradável, onde não apenas as pessoas, mas os poderes estabelecidos têm interesse em nos comunicar afetos tristes. A tristeza, os afetos tristes são todos aqueles que diminuem nossa potência de agir. Os poderes estabelecidos têm necessidade de nossas tristezas para fazer de nós escravos. O tirano, o padre, os pastores, os gurus, os tomadores de almas, têm necessidade de nos persuadir que a vida é dura e pesada. Os poderes têm menos necessidade de nos reprimir do que de nos angustiar, ou, como diz Virilio, de administrar e organizar nossos pequenos terrores íntimos. A longa lamentação universal sobre a vida: a falta de ser que é a vida... Por mais que se diga "dancemos", não se fica alegre. Por mais que se diga "que infelicidade a morte", teria sido preciso viver para ter alguma coisa a perder. Os doentes, tanto da alma quanto do corpo, não nos largarão, vampiros, enquanto não nos tiverem comunicado sua neurose e sua angústia, sua castração bem amada, o ressentimento contra a vida, o imundo contágio". - (G. Deleuze e C. Parnet in Diálogos)

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Em que mundo: esse. Assim: como?

Estou imerso no pensamento, como estou meio longe dos trabalhos, fico lendo, fico pensando. Pensando. Pensando nos urbanóides e na vida humana de hoje. Fico bêbado pensando. Fico pensando no metrô. Estou pensando que isso que estamos vivendo, dessa forma e nessa intensidade e nessa quantidade de pessoas é também apenas uma maneira de se viver. Falta algo (água?) na vida de um só ou de todo mundo? É muito, perceber que está TUDO errado? Errado implica o certo em algum onde? Penso em escrever, mas tenho encontrado algumas coisas de algumas pessoas que falam isso muito melhor do que eu. Queria dividir:

Em "O que é loucura?", de João Frayze-Pereira, que por acaso achei pra folhear no banheiro. Os negritos são meus.

"Devereux afirma: 'considero a esquizofrenia quase incurável, não porque seja devida a fatores orgânicos, mas porque seus principais sintomas são sistematicamente encorajados pelos valores mais característicos, mais importantes da nossa civilização.' Por exemplo: a impessoalidade das relações humanas; a indiferença afetiva e o isolamento aos quais o indivíduo está sujeito em nossas cidades industriais; a vida sexual destituída de afetividade e reduzida ao coito; a fragmentação da coerência de nossa conduta cotidiana devida ao fato de pertencermos e atuarmos em diversos grupos que nos impõem papéis contraditórios; a invasão de nossa vida rotineira pelo ideal científico da objetividade, criador de um pseudo-racionalismo, pretensamente oposto ao nosso imaginário; a perda de sentimento de sermos cada vez mais possuídos e manipulados por forças poderosas das quais dependemos e contra as quais nada podemos; confrontação com uma violência tecnológica ilimitada e com a morte desritualizada, absurda, etc. O homem moderno assimila o modelo esquizóide num mundo que o constrange e no qual vive como um estranho: nele não pode reconhecer sua humanidade. Portanto, a esquizofrenia, cuja lógica tem a ver com a fragmentação e perda da identidade pessoal, é, deste ponto de vista, uma categoria sociológica."

E em "Produção de presença", que no ano passado comecei a ler e comentei com o grupo, depois perdi na xerox do multiuso (aquela história, Giselle, achei aqui no Rio pra comprar finalmente...):

"Este livro assume o compromisso de lutar contra a tendência da cultura contemporânea de abandonar, e até esquecer, a possibilidade de uma relação com o mundo fundada na presença. Mais especificamente, assume o compromisso de lutar contra a diminuição sistemática da presença e contra a centralidade incontestada da interpretação nas disciplinas do que chamamos"Artes e Humanidades".Se é verdade que se pode descrever a moderna cultura ocidental (incluindo nela a cultura contemporânea) como um processo gradual de abandono e esquecimento da presença, também é verdade que alguns"efeitos especiais" produzidos hoje pelas tecnologias de comunicação mais avançadas podem revelar-se úteis no re-despertar do desejo de presença. (...) No entanto, só os efeitos de presença apelam aos sentidos por isso as reações que provocam não têm nada a ver com Eitifiihlungisto é, com imaginar o que se passa no pensamento da outra pessoa."

Pra mim é legal pensar presença vinculado a algo que está posto, que foi colocado e que foi colocado como expressão, passando necessariamente pela materialidade do corpo,,,,,,, ou seja,,,,, estar presente nesse sentido é colocar isso para adiante, para fora, à vista. O conceito de "produção de presença" toma produção inclusive exatamente nesse sentido: "de sua raiz etimológica - producere - que se refere ao ato de trazer para adiante". Penso nisso e penso no processo de dessensibilização do mundo, apático, frio... fragmentado em complexos seres-ilha, cada vez mais em si, em sua lógica, em sua cosmovisão. A falta de algo não estaria ligada à falta de exteriorização das coisas? Falta expressividade para o inapreensível... me lembro disso em um texto chamado Ver o invisível do Nelson Brissac (o Zé Reis conhece e tem esse texto): marcas expressivas do inapreensível. Que nem a sacola voando em Beleza Americana, uma marca expressiva de uma bela ideia. A diferença é que a ideia, neste sentido, falta. E a sacola, o vento, a chuva, o filme ou a dança, CLARO, estão expressos.


Só refletindo... aí vi essa música do Gilberto Gil de 1998:
http://letras.mus.br/gilberto-gil/585510/

E assim vai... Salve o IPEA!

quinta-feira, 3 de abril de 2014

enquanto ela faltava a aula de hoje.

ela pintava a unha de roxo enquanto chorava. enquanto chorava tentava não misturar o esmalte com choro que lhe caía do rosto. tentava não misturar a lágrima do rosto com a pintura do esmalte fresco, que tanto pintava.

domingo, 30 de março de 2014

da incompletude de ser sem saber dizer o que, quase sempre dá nada, vira pó.

estou aqui, não estou? agora não tenho mais escapatória(s), elas são muitas, não é? ás vezes mais me sinto  escapando das coisas do que deixando que eles se instalem no meu corpo por inteiro. é por falar sobre falta, que me sinto uma falta agora. falta das coisas não-feitas e não-ditas. eu me culpo por não saber mais administrar o tempo. e sim, eu me sinto feliz não administrando o tempo, até o próximo abalo sísmico que me desestabilize. quando eu tinha dezoito anos eu administrava o meu tempo, hoje aos 25, quero que tudo fique lento como o domingo de hoje. domingo parece um dia verdadeiro, só o necessário acontece. será? eu queria que os domingos fossem mais adentro na semana. será? eu nem sei porque sinto isso, mas eu ia começar de outro jeito, eu sempre apago tudo que faço antes mesmo de começar. dentro mim o pensamento (parece uma coisa a toa) me  consome. o que faço com isso que não consigo dizer? eu apago antes de proferir a primeira palavra. nesses tempos de incompletudes eu me sinto mais vazia do que cheia. eu vou esvaziando e transformando a dor em neutralidade. é como se eu fosse vendo a realidade humana, as relações, as guerras, os julgamentos, o mundo, eu no mundo, e blá blá, aí me sinto mais querendo ser vazio do que humana. é minha fuga, talvez seja mesmo. eu sou especialista em fugas. em todos os hábitos, especialmente, no amor. como uma pessoa incompleta se relaciona? hoje mesmo sendo incompleta eu me arrisco mais no abismo entre eu e o outro. sofro muito, mas não do mesmo jeito derradeiro de antes da infância. sofro leve, pois a experiência amaciou a carne.  
eu agora queria que ela abrisse minha porta e dissesse nada, mas entrasse. ela não entrou. e porque que eu quero que ela entre na minha vida?
faz três dias que estou assistindo o filme “her”, assistindo por partes, tanto pela falta de tempo que não consigo administrar, tanto pela dor angustiante que esse filme tem me causado. eu não sei, sou muito confusa... eu me sinto os personagens do filme. o cara que se relaciona com o sistema operacional, a samantha, a ex do theodore, a amiga da samantha que se passou de samantha. preciso processar melhor e finalizar a sessão antes de proferir algo.

e passou alguns minutos ela entrou pela porta. ela interrompeu meu vazio e minha solidão com um beijo e foi embora novamente. 

Das facilidades de ser contraditório quando se fala de completude.

Venho por meio deste informar que eu estou no meio deste.
E se estou no meio deste posso presumir que estou neutro. A neutralidade serviria pra que eu pudesse ir para um sorveteria e pedir um outro sabor desconhecido e estivesse disposto a não gostar. Quando estou neutro aposto no risco, esperando sempre o pior para que eu possa me confortar -  e assim sair do meu estado de meio. Logo, se espero pelo pior eu não estou neutro.
Pode parecer confuso, mas me pediram pra escrever sobre a falta, e eu realmente não falo muito sobre ela. Hoje é domingo e eu nem a citei. Esperei pelo pior e ainda não recebi nenhuma visita. Mas estou confortável, tomei meu banho e assisti um documentário de um homem que matou dezessete pessoas e fala disso sem nenhuma falta. Ele sim estava neutro. Psicopatas sim são neutros e não esperam por nada, nem pela visita em um domingo. Nem pelo troco do sorvete que não gostou.
Se me perguntarem do que sinto falta, respondo facilmente que sinto falta de estar no meio. Estar no meio é como perguntar as horas apenas por falta de assunto. 
Arrepender é uma forma de não possuir neutralidade. Aquele homem do documentário falava de seus assuntos como quem contava como foi o seu dia para o o padeiro as sete da manhã. Eu não consigo falar dos meus assuntos com tanta facilidade desde quando cresci e comecei a me arrepender. 
Já entendi que não receberei nenhuma visita hoje porém mesmo assim espero. Vai que... 
Olho para meu celular de minuto a minuto e nenhuma mensagem foi capaz de me tirar do estado de espera. 
Se eu pudesse resumir tudo isso dançando, com certeza o meu cenário teria alguns pães, algumas pessoas. Colocar pessoas junto comigo em cena pra falar de como não estou sentindo falta de esperar por elas já virou clichê. Mas me pôr no meio é mais fácil quando existe um meio. Não vejo um espaço vazio como algo neutro. 
Domingo é um bom dia para começar a fazer amizade consigo mesmo. Porém estou tendo dificuldades para começar uma conversa. 
Venho por meio deste informar que depois de repensar eu não estou mais no meio deste.
E se não estou no meio deste posso presumir que estou... no canto.

sexta-feira, 28 de março de 2014

tenho pensado muito nisso da falta né? ausência.. 
falta é um verbo transitivo, certo? precisa haver algo a que se sentir falta, ou pelo menos precisa ter havido, no passado. mas se o passado, assim como o futuro não existe (e é assim que eu acredito que seja), porque então a falta. se há a ausência de algo (esse sim, no meu ver um verbo intransitivo) como haver falta? 
ausência já me parece mais interessante. ausência deriva do verbo latim abesse (esse [ser/estar] + prefixo ab que quer dizer distanciamento, separação) ausência então é a separação de estar, o distanciamento de ser. então se sentimos ausência, não seria porque não estamos sendo, ou melhor não estamos, ou não somos?

Acho graça como muitas vezes damos falta porque sentimos ausência, porque não somos agora, já fomos ou desejamos ser, mas e agora? a solidão muitas vezes me atormenta, mas se paro pra pensar, vejo que ela é na verdade minha melhor amiga. pois somente na solitude, (pelo menos por enquanto) eu posso ser, não me falta nada eu estou presente. presente é o contrário de ausência, presente é um tempo. presente é um regalo. o tempo é um presente. me desvirtuei né gente? devaneios devaneios.. dificil transformar sensações em palavras. 

segunda-feira, 24 de março de 2014

"cada dia mais sem vontade de adivinhar o que não é dito.
e cada vez menos paciência pra não dizer esperando que adivinhem.
já é tão difícil usando palavra...
sem ela me perco nas subjetividades das significações dos gestos.
as vezes é gostosinho, mas exige tempo. e to economizando tempo."
porque ela consegue dizer
o que não consigo dizer com as palavras. tatiana bevilacqua. 

quinta-feira, 20 de março de 2014

- Socorro, gente!

Dizer é que sobre que? Amigos, tenho andado pelo meio das cidades, está muito confuso entender quem está dando o que. O pessoal quanto mais junto, mais se encontra explodindo coisas. Que coisas loucas esses seres-acontecimento, coisas da mesma natureza, essas coisas dividem um só tempo e se monstrualizam juntas. A partir do umbigo. Algo vai acontecer e todos vão passar a buscar algo dentro bem dentro tão dentro que será infinitamente íntimo. E olho não servirá mais pra isso de hoje. E então pra que eu? Eutudosô! Eu estou despreocupando da vida, não quero essa porque aquela é melhor, aquilo parece melhor, aquilo é diferente disso, disso tudo. Quero peace, piss!!! Qual é a diferença entre escolher o pão com queijo ou pão com carne? Onde leva cada caminho? O que você come é feito do que usaram pra te fazer? E o que não é feito disso, quem guardou/onde? Pra que serve levar, se tudo já foi levado daqui e trazido de volta em seguida? Tudo está aqui? No mundo, me diga. Está tudo aqui? Na cidade de São Paulo há tudo? Se sim, por que andam tão depressinha? Se sim, por que aqui não parece feliz? FELIZ! Sim... me parece óbvio. Quando tudo há num lugar que também há, há felicidade? Felicidade é haver tudo dentro? A felicidade dentro é quê? Confia-se no que parece confiável? Há um fio entre o que confia e o que é digno de confiança? Pra que serve esse fio? Existe confiança wireless? O que buscam as pessoas? Responda-me. Este aglomerado de pessoas enfileiradas para descer a escada rolante estão indo a-onde? Lá, o que há? E o que trazem de lá para cá? Para que servem essas pessoas? Por que não estão todas dormindo? Por que não estão todas gritando? Como posso afirmar que não estão? Há o racionalismo, o sentimentalismo e o que mais? Por que não desistir de tudo se tudo é impossível? Por que não parar aqui? Quem disse que não sou esquizofrênico? k) Para que insistir? l) qual solução é melhor que a que está posta? ------ Quando chego neste ponto, geralmente sinto como isso é imbecil e algo em si responde a si mesmo e passa a fazer sentido PRO-GRE-DIR com "engenho e arte". Monto um espetáculo? Escrevo poema? "Fundo a cuca"? Viro o quê se eu não crescer? Fico pequeno? Penso em desistir, desanimar é um dispositivo de segurança que está dominando a coisa humana para que ela não vá longe demais, além do que devia, porque além é para lá do que o que há, e o que há, amigos... vocês sabem... é o-que-há!


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NEMs, eu hoje tive muita vontade de estar em pesquisa com o grupo, porque estou num dia em que me senti estafado (existe essa palavra?) da vida urbana. Há um mês estou passando por cidades grandes e pequenas e agora tô no Rio, até daqui a mais um mês, quando finalmente volto pra vida em Brasília. Escrevi o texto acima tentando colocar pra fora um assassinato em série de coisas que estão turbinando a minha mente e corpo. Hoje também assisti Her (Ela), isso muda tudo. No ano passado falávamos de aglomerados, mas nunca pensei tanto sobre eles como agora. O meu ponta pé inicial é basicamente: por que as pessoas estão tão aglomeradas?? É chocante perceber ainda que a pergunta continua: por que estão tão aglomeradas se tudo que querem é não estar assim???!! Ou assim me parece. Enfim... é uma esquizofrenia todo esse pensamento porque pode ser só uma questão de adaptação. Eu sou provinciano... vim de cidade pequena... isso porque provincianismo é uma palavra que aprendi em cidades maiores que a minha, mas enfim... fato é que acho que esses lugares (grandes cidades) abrigam em si uma maior (ou mais evidente) quantidade de seres desertores. Pessoas que desistiram da potência. Estou chamando a potência de felicidade porque estou associando felicidade e descoberta cada vez mais. As pessoas que desistem de se comunicar são desertoras, saíram do jogo inexplicável da vida. Saíram mesmo? Não sei, tenho achado minhas visões muito piegas ou pessimistas, isso é tão retrô...... Já imagino Simone Reis me desprezando. Enfim... tudo bem! As pessoas não podem desistir da vida. Não existe desistência, mas então o que há? Não sei... enfim. Mas não creio que seja possível desistir do movimento da vida. E isso me leva a pensar que o movimento do cotidiano é involuntário!!! Ó Deuses!!!! Eu estou tendo uma crise de stress com isso, juro! Tenho me alongado, Giselle, mas mais do que disciplina, busco alívio. Dançar é macumba? Dançar é a resposta?

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Estou falando a mesma língua que todo mundo?

Por vários motivos, me ocorreu de anexar algumas coisas que falam coisas sobre isso que estamos falando (do que mesmo?), Deuses abençoem a liberdade de expressão nesse blog, e ao futuro! Beijos!!

I.  ISSO: https://www.youtube.com/watch?v=4gcBeOqNdpU

II. ESSE: http://www.youtube.com/watch?v=dPGsaoUtQVg




segunda-feira, 10 de março de 2014

não me mente mais

desistência. desisto. desistência. saio da cama e é madruga. o mundo é mágico disse kelvi e halrodo ao pé dos meus olhos. desisto porque me falta sono e tenho fome. fome de nada. queria, quero, queria? quero... cansaço. barulho. gripe. tose. não consigo dizer a palavra taxi. taxi. taxi. taxi. a palavra é desnecessária. quero é ser nada. mas só quererrrrrrrrr... não sei. nada. nada. uma música me acalma. o silêncio interrompido pelo espirro. uma mosca vaga na minha sala. essa madrugada não estou só, uma abelha rodopia no silêncio.

sexta-feira, 7 de março de 2014

improviso 1

não sei porque a angústia. talvez só veja a ausência, a incompletude, o que não encanta nem atravessa por esse lado. difícil enxergar o avesso, a histeria no patético, no vazio de sentido, de narrativas. é difícil não pensar quando se pensa e se sente a incompletude todos os dias. desistir e seguir, desistir outra vez, de outra maneira, e achar outro caminho, se melhor ou pior não importa, só se vai. continua a longa jornada até a próxima desistência, a próxima queda e o próximo voo. até a última que é a morte, ou não. e quem desiste da vida pra seguir um infinito misterioso? sigamos subindo e caindo, gritando, rindo da miséria, rindo da felicidade genuína, do ridículo que somos nós vivendo tão soltos e perdidos. procurando, sempre. insatisfeitos, duvidosos dos satisfeitos. fortes são os que sabem enganar a fraqueza, e de olhos bem abertos exibem seus humores. em outras palavras, abrem o peito e continuam caminhando, mesmo aos tropeços. 'quem sou eu para ousar pensar? devo é entregar-me. como se faz? sei porém que só andando é que se sabe andar e - milagre - se anda'.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Atravessando o aglomerado - como o vejo

Tenho a impressão de que tudo é estar numa imensa paisagem sem sentido, sem prumo. O corpo solto e o desânimo casual abrem espaço pra uma metáfora da insanidade coletiva. Pés é como se fosse o equilibrar-se na vida cotidiana, sempre patética, reprimidinha. Passamos por vários símbolos de soluções para a ligação com o mundo: devagarzinho nos aproximamos, dança doida ou surtos esporádicos, haribonismos ou paz na bolha, seduções, joguinhos, putices, chutando o balde, exaustões. Parece um prelúdio pra tudo o que virá, pés parece guardar um pouco de tudo, uma panorâmica no viver tentando. "Comece de uma maneira amigável", viver com outro é sempre abordá-lo, de canto, de frente, de costas, aos berros ou mudo, nunca imóvel. Olhar o público nos olhos é dar os próprios olhos e assumir a presença. O estado de presença seria assumí-lo? Exposição. E a vida parece ser nunca estar satisfeito. Nos ossos sinto isso, a posição incorreta, o eterno desencaixe, a tremenda desilusão. O objeto quase nunca me interessa, tão desinteressante já me parece ser e estar. E o que fazer? Fazer o que na vida? Assim, assim, assim, assim, em eterno fluxo resultando nada. Isso seria uma dádiva sob outro ponto de vista. Assumir a falta de sentido de tudo poderia gerar uma certa inteireza, um certo encanto, mas... como essa consciência ainda não veio, nos arrastamos no caos injustificável, vida objetal, mecânico-contemplativa, escapando do minuto, vontade de transcender essa bobagem. O aglomerado traz o constrangimento, que me parece ser o fato de estarem todos juntos sustentando esse cenário. Essa condição humana. E há o momento em que todos se percebem percebendo a esquisita patetice de se serem e quase deixam de sê-lo. Resvalam numa outra possibilidade, mas um outro vapor quente bate na cara e os ossos fraquejam outra vez. A inércia venceu a vida. A inércia é o triunfo da rotina, do racionalismo, é em si a própria instituição da vida que aprendemos a viver. A micro estrutura, o esqueleto, está sucumbindo à macro-estrutura social, somos todos sociofóbicos, psicóticos, esquizofrênicos, sedentos e carentes de quase tudo. Talvez por isso existam tantas Donas Ana! Num pensamento universalista-cósmico eu sempre penso Dona Ana como um buraco negro, em si, em si, em si. Os indivíduos são apenas montões de energia e matéria localizada num corpo e passam a vida tentando justificar a sua própria porção orgânica: eles mesmos, melhores ou mais interessantes que o mundo, que os outros trilhões de fenômenos de natureza iguais a dele. Haveria maneira de não ser Dona Ana? Eu mesmo sou tão parecido. Olha eu aqui. Em cena, decidindo-me. "Vejam o meu discurso, please, ou não terá valido nada estar aqui". Bla bla bla bla bla, estamos todos exaustos da Dona Ana em cada um. Relacionar-se é abordar. É vetor de si pra frente. Oi. Oi. Olá. Assim como é dialógico recuar. Nos cumprimentos, vejo o corpo convencional, com quatro setas. Para frente, para trás, para cima e para baixo. Quatro mensagens corporais resultando relação. Sobretudo me interessa explorar a potência silenciosa desse gestual, sem poesia. Essa dança pessoal que diz "eu aqui" em relação a você: me imponho, me inflo, me recolho (pro útero!), me priorizo. Sempre em relação. Esse gesto, onde nasceu? Sempre me parece que o simples fato de serem reconhecíveis esses quatro lugares, faz brotar ali alguns mistérios de vê-los acontecendo como quatro tiros convencionais da disponibilidade convencional, mecânica, plástica, quase escultural. Que monstros por trás de uma gramática do gesto? Que intenções cabeludas, que seres fodidos? Quem estaria atrás do aperto de mão sempre banal? Um animal pulsando o desejo de ser considerado, EU-AQUI, 'colunoso', hominídeo!, sendo-pra-ser-visto. E a dama com a mão estendida? Quanto desespero por ser lambida, lembida, lembrada, roçada, comida. E o mendigo, o podre, o ser que grita? Mais do que humilhado é uma porção material implodindo-se, tanto que é rejeitada, sei não, mas posso imaginar: como fica o ser com um olho que não troca olhar? O guarda, o poliça, o gesto que repele, o macaco bruto, aristocrata, escravocrata, gordo-banqueiro, o sai-pra-lá-não-importa-quem, meu pai, o pai da Lorena, os pais reprimidos. Parede. Observo a Márcia sobrar dessa multidão histérica e revelada, raspando a garganta, intoxicada, escrota, penso ali como um lugar no futuro da vida de cada um ou da própria humanidade em que se cospe o próprio monstro, a gente se descobre fedendo aos próprios talentos. Pra que serviam os cumprimentos, todos cuspidos no chão da rodoviária onde todo mundo atropela todo mundo e ainda assim somos estranhamente felizes. Fico curioso com o entusiasmo contemporâneo pela sujeira e pelo popular e o popularesco. A sujeira revela? Vou me sentar.

Reflexões do início da estrutura até cena da Márcia. Algumas imagens discursivas que percebo.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

não julgueis

(...) “Não Julgueis”, e este é um dos maiores ensinamentos jamais proferidos por qualquer homem no mundo. Isso é uma das coisas mais impossíveis para a mente. A mente julga de imediato; sem qualquer base, a mente faz um julgamento. Você fez muitos julgamentos, sem sequer ver se existia ou não alguma base para eles. (...)
Todo julgamento é errado, porque o mundo todo está tão profundamente interligado que, a menos que você conheça o todo, não poderá conhecer a parte. Uma coisa leva à outra, porque está interligada. O momento presente está interligado com o todo o passado e com todo o futuro. Neste momento culmina toda eternidade. Tudo que aconteceu está aí. Como você pode julgar? O mundo não está divido. Se estivesse dividido, então um fragmento poderia ser conhecido, mas o mundo é uma totalidade. Todos os julgamentos são falsos porque são parciais – eles vão reivindicar como sendo o todo.
(...) “Não julgueis”, porque o próprio julgamento vai fechar você; será uma morte interior. Sua sensibilidade estará perdida, e com ela a sua possibilidade de crescimento. No momento em que julga, você diminui, você para;  não floresce mais.
Assim, a maior coisa é ser corajoso o bastante para não julgar. Na verdade, suspender um julgamento é maior coragem, porque a mente está tão ansiosa para julgar, para dizer bom ou mau, certo ou errado. A mente é adolescente, pula de um julgamento para outro. Se você quiser algum dia sair da mente – e sem isso não há possibilidade de crescimento interior –, então: “não julgueis”.

RAJNEESH, Bhagwan Shree, 1931 – 1990. Antes que você morra/Osho; Tradução de Ma Dhyan Wanda, Swami Edivaldo – São Paulo: Mandras, p. 41, 2004. 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Trechos de "Como fazer amigos e influenciar pessoas"

Alguns princípios:

não critique não condene não se queixe

faça um elogio honesto e sincero

se errar, reconheça o erro imediatamente e com ênfase

comece de modo amigável

consiga que a outra pessoa diga "sim, sim" imediatamente

deixa a outra pessoa falar durante a maior parte da conversa

deixe a pessoa pensar que a ideia é dela

procure honestamente ver as coisas pelo ponto de vista alheio

mostre-se simpático às ideias e desejos alheios

10 
apele para os mais nobres motivos

11 
dramatize suas ideias

12 
lance um desafio

13 
chame indiretamente a atenção sobre os erros alheios

14 
faça perguntas em vez de dar ordens

15 
não envergonhe as pessoas

16 
faça a outra pessoa sentir-se satisfeita fazendo o que você sugere

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o único processo pelo qual posso conseguir que você faça alguma coisa é dando-lhe o que você quer

Sigmund Freud disse que tudo em você e em mim emana de dois motivos: a necessidade sexual e o desejo de ser grande

a mais profunda das solicitações da natureza humana é o desejo de ser importante

quase todo adulto normal deseja uma sensação de importância

o mais profundo desejo da natureza humana é ânsia de ser apreciado

o desejo de sentir-se importante é uma das principais diferenças entre as pessoas e os animais. Sem esse desejo seríamos apenas como os animais.

algumas pessoas se tornam doentes muita vez para encontrar na terra dos sonhos da insanidade a consideração que lhes fora negada no áspero mundo das realidades

alimentamos os corpos dos nossos filhos, amigos e empregados, mas poucas vezes alimentamos a sua vaidade. nós lhes damos um bife com batatas para adquirirem energia, mas nos descuramos de dar-lhes palavras de estímulo que ecoarão nas suas memórias como a musica das estrelas matutinas.

muitas pessoas se sentem tão sedentas por apreciação que aceitam qualquer coisa, do mesmo modo que homem que está morrendo à fome, come até capim e minhocas.

qual é a diferença entre o elogio e a bajulação? é simples. um é sincero o outro não

não tenha medo dos inimigos que o atacam. tenha medo dos amigos que o bajulam

a ação emana daquilo que fundamentalmente desejamos e o melhor conselho que podemos dar às pessoas que tem necessidade de convencer alguém, seja nos negócios, no lar, na escola ou na política, é despertar na outra pessoa um desejo ardente. Aquele que puder conseguir isto terá todo mundo ao seu lado. Aquele que não o conseguir trilhará um caminho solitário.

a única maneira que existe na terra para influenciar uma pessoa é falar sobre o que ELA quer

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A coreografia pés é a primeira menção à disponibilidade. Nós no aqui-agora do improviso, corpo poroso para a troca, corpo vazio para ser preenchido. Um pequeno aglomerado que quer falar de um grande aglomerado. A dança tem um tom irônico: vejam como é fácil estar aberto, como é leve. Me lembra uma festa, todos sorriem, colocam a máscara da extroversão, da alegria despreocupada. É noite, à noite todos os gatos são pardos. O fim da coreografia é o começo da revelação de algumas fragilidades. Perde-se a vontade de continuar, a respiração revela um cansaço pós-carnaval. É como se o dia começasse bem cedo. Você está de ressaca e tem que ir trabalhar. Já faz calor e é maçante. Atravessar um dia em que as coisas não te atravessam. Há um desejo de levantar, mas a gravidade, o tédio puxam pra baixo. Um esqueleto se movendo a esmo. Pelo olho passa pouco ou quase nada. Lá fora a expectativa de ser como uma daquelas folhas, rodopiando livres pelo ar. Parece melhor, mais fresco. Seguem-se os abandonos - seres e objetos largados pelo caminho, sozinhos, cansados, acostumados à jornada. Escov... dent... um chap... pa.s.s.a.r o des.o.d..des.s.i...s..
Numa sala de espera, um segundo aglomerado. Agora as caras estão limpas. Solidão acompanhada. Domingo. Em Brasília.Tudo se move tão lento, tão lento que uma hora pausa. E nada. Não estou disponível. E alguém falando sem parar no meu ouvido. Não quero ouvir, tudo isso não passa de blablablablablablablablabla. Dona Ana não cala a boca. Há um desconforto, não sei onde sentar, onde colocar as mãos, onde olhar, tenho que ouvir mas não quero, tenho que estar presente quando estou ausente. Saaaaaaaaaaaaaaacooooooooooooooooooooooo.
...
Me desculpem. Desculpa por isso, tá? Vou colocar minha máscara, sim? Tá tudo bem. Tudo bem com você? Tudo bem? Ótimo. // Não querer saber. Pra fora. Virar a cara. Rejeição. / Coitadinho, aquele que ganha as coisas se fazendo de santo, de vítima (?) // Sedução.

Macaco:
Coloco a blusa em resposta à voz do Lupe. Como se ele dissesse uma verdade indizível. Como se ele espaventasse os delicados fios de teia de aranha da vida. É preciso esconder por completo, uma máscara em que não se veja nada, nem de fora, nem de dentro. A gente não se comunica porque não respira, não vê além do que se mostra. Nos tornamos um borrão de caras iguais, um aglomerado mudo, omisso, uniforme. Quase falamos, mas de nossas palavras nasce um ser que parece não ter a Inteligência. Grunhe, grita, bate, balbucia, tenta estabelecer um diálogo mas são todos primitivos. É assustador, as tentativas de comunicação são rápidas e a desistência também. Ninguém vai se ouvir? Ao menos aquele que fica por último...! Aquele que ignoramos, para o qual fazemos uma cara de nada. Ele não compõe a imagem - nos diriam os macacos de nós mesmos. A parede é confortável. O silêncio é confortável, embora doa - faz-se a cara de nada também por não se saber o que fazer.

O bonequinho tem a alegria histérica de um político. De um comercial de margarina. É a grama mais verde do vizinho. O Paraíso com as doze virgens ou uma mansão de ouro. Os cinco passos para ser bem-sucedido. A capa da revista NOVA. A Paris Fashion Week ou o casamento da coroa britânica. Somos nós sorrindo com uma boca enorme e cheia de dentes bem branquinhos para aqueles que são tão diferentes de nós, não é mesmo? Não é mesmo? É mesmo. É o mesmo. Eu existo. Não penso e existo. Eureca! O Livro que vai me ensinar a ser e estar!

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Útero

O útero é o lugar em si, a casca, o abrigo das relações,o interior anterior à exposição. É antes <<disto>>. Quando saio, eu, matéria expressiva, deformável, tento me comunicar como posso, mil fôrmas no rosto que só dizem uma coisa: não sei o que dizer. A forma caleidoscópica revela o signo perdido entre o borrão. Por que? Educação? Cortesia?

O corpo convencional é o corpo comunicacional. E o corpo espasmódico? O ante-humano? A ante-fórmula? E o corpo que desconhece o símbolo e a norma, como acenaria? Como diria que aqui está, como pediria licença? O corpo que não é compreendido está mudo? Está louco? Todo corpo vetoriza a mesma reza? A reza é o apelo não-simbólico do corpo?

Aqui o corpo se afirma. Na convenção, comunico existência. No devaneio sou histérico e me descolo do isto, do existo, do próprio objeto, um banco, da respiração. Lá. Lá! Lá é onde quero ser e estar. Lá não falo, pulso, pulso, lá sou íntimo, sou inho, no útero, no útero.

Reflexões sobre 'o útero' em cena. Escrevi esse texto hoje, tentando me ajudar a compreender o que estou tentando comunicar, ou resgatar aquilo que espontanemante trouxe em princípio. Uma espécie de texto-trajetória-roteiro de cena.

aglomerados na tv