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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Eu sou o maior problema do mundo

Em meio a tudo aquilo que aparentemente existe, eu me sinto um ser muito específico. Eu sou um acontecimento material, que nem uma planta, uma chuva ou uma montanha, mas que tem como principal diferencial a capacidade de me desdobrar sobre mim mesmo. Eu me olho do alto, de dentro e de longe. Eu me reinvento. Sou certamente meu maior problema. Enquanto o mundo basicamente acontece, eu não tenho outra alternativa do que a de acontecer por meio do meu corpo e disso que sei que acontece por meio dele e que chamo de eu. Estou indo... vou sendo, andando, sou uma coisa que afeta. Nunca me desinteresso da temática do egoísmo. A cada olhar que evito, ou a cada vez que me constranjo, eu imagino: por que? Por que a ideia de me tornar evidente e/ou presente me aflige e amedronta? O ator erra quando teme a assunção do instante, e deixa de ser pleno e verdadeiro. Quando deixa de lançar para fora (ou para frente) aquilo que vaga abstratamente por dentro de seu corpo e que ainda é ideia (um algo não corporificado). Onde está alojada a ideia e qual é o caminho da ideia até o mundo? Me parece que em última instância, tudo, absolutamente tudo que sabemos que ocorre, ocorre no corpo. A vida percebida pelo sujeito acontece no corpo e o corpo é feito de tudo de que é feito tudo! Somos o que comemos e deixamos de ser o que cagamos. Assim como, me parece, somos apenas o que sentimos. Não dá para saber algo que de certa forma eu já não tenha sentido, e que por isso posso pelo menos intuir o que seja. Assim, portanto, desistir de se expressar, por vergonha, preguiça, constrangimento, covardia, desinteresse, burrice, depressão, etc etc etc etccccccc.... é também negar a dimensão de presença de que é dotado o corpo (e portanto eu mesmo) e sua potência comunicativa: a potência de tornar as coisas comuns entre seres vivente e não viventes.

Não existe o tédio e tudo é interessante?

Não existe o tudo e tudo é entediante? Qual é a utilidade do tédio e por que é tão entediante ser meramente útil? O que me parece chato e perigoso é quando me sobrevem uma incapacidade de inventar o instante. Como estamos num momento do mundo muito caracterizado pela crise do corpo (eu, você) e dos corpos associados (empresas, cidades, doutrinas), me parece sempre que estamos cotidianamente vivendo conflitos a serem solucionados e/ou doenças a serem curadas e essa sensação de um mundo em terapia me provoca um imenso cansaço de viver. Sonho com uma vida em fluxo, conduzida pela sensação no seu sentido mais bobo: ser capaz de lidar com o que me cerca a partir de uma capacidade de me ausentar e me presentificar. Talvez isso seja o mesmo que ser capaz de escutar e falar, de variadas formas, mas de modo que eu visse a possibilidade constante de responder ao mundo me potencializando e crescendo sem me enfraquecer tão constantemente por conta de uma falta de estímulo que, eu acredito, tem a ver com a qualidade de expressividade que caracteriza nossa vidinha cotidiana. Me sinto amedrontado pela vida e sinto que a maior parte da minha energia é canalizada para elocubração de paranoias egocêntricas. Como esta! A maior parte do tempo, me iludo numa noção de que estou solucionando problemas humanos, mas na verdade só estou lutando com a minha incapacidade de ser plenamente. Percebo que tenho um ideal de plenitude, algo que talvez eu pudesse chamar de verdade, já que me soa tão verdadeiro quando vivencio esse... estado. Mas que na maior parte do tempo, não tenho a capacidade de exercê-lo. Me pergunto se o estado de presença é algo que só possa ser acionado para a arte (o acontecimento! o espetáculo!) e que o cotidiano não daria conta de seres humanos presentes demais... não quero me deixar ser tomado por esse pensamento porque ele me deprime. Tenho preguiça de raciocinar demais sobre isso e habitar para sempre uma reflexão: habitar uma virtualidade. Mas creio que não. A minha experiência, não de vida, mas na vida, é de constante tentativa de comunicação. A maior parte do dia estou constrangido, mas nunca todo o tempo. Sinto sempre o fio se partindo, e o que se presentifica é o meu medo, o meu receio de ser em conjunto. Tenho medo, porque isso pode (fico pensando) me gerar desprestígio, isolamento... solidão, incertezas... Quero me relacionar BEM para que isso faça com que eu continue a me relacionar BEM! Por isso não vale tudo quando se tem o rabo preso. Porque me saboto a maior parte do tempo, cedendo espaço à ilusória paranoia sobre errar e acertar (que eu mesmo alimento), me torno meu maior problema. Quem irá me julgar por ser tarado se sou carente de qualquer contato? A expressividade é uma questão de saúde pública e as crianças ainda são educadas na linha homem não chora. A criança reprimida e o pervertido sexual são a mesma pessoa. Um problema quando cresce: aparece! Quem pode lidar com o problema de não ser? Somente aquele que não é? O que posso fazer para aparecer? Te chamar para me olhar e esperar que a segunda missão seja inventada por ambos? Quando todas as pessoas se colocarem em cena, os atores vão ganhar dinheiro com o que? Haverá por quê trabalhar? Quais serão nossos principais problemas? Eu não me aguento com isso...

6 comentários:

  1. o que mais precisar ser dito?
    o maior problema do mundo sou eu e você.

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  2. O maior problema do mundo sou eu, você, a marcinha, o marcinho, meu avô e todos os falsos cientistas exotericos que dizem que sou assim e assado.
    Há muito mais em nós do que um constante fugir do tédio. Espero apenas que isso não atrapalhe o meu avô que já viveu demais e pelo o que vejo nem pensa nisso.

    Ele fumando cachinbo e cantando canções sozinho na sala de sua casa é mais presente que nós. Mas ele não sabe. Quando souber deve dar seu ultimo suspiro e comerei sete suspiros em seu enterro.

    No fim, sobra o ultimo suspiro do pacote, e quem pegar não me avise, Eu não vou me aguentar com isso.

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  3. "O maior problema do mundo sou eu, você, a marcinha, o marcinho, meu avô e todos os falsos cientistas exotericos que dizem que sou assim e assado." hahahahahahaha

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  4. Wislawa Szymborska:

    Sob uma estrela pequenina

    Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
    Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
    Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
    Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
    Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
    Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
    Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
    Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
    Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco de minuetos.
    Me desculpem a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
    Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
    Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
    E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
    fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
    me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
    Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
    Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
    Verdade, não me dê excessiva atenção.
    Seriedade, me mostre magnanimidade.
    Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
    Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
    Me desculpe tudo, por não estar em toda parte.
    Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
    Sei que, enquanto viver, nada me justifica
    já que barro o caminho para mim mesma.
    Não me julgues má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
    e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.


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  5. Lupe...muito bom texto! Tudo aí! Melhor lembrar do vovô cantando sozinho na sala e fumando cachimbo! Esqueça o tédio! Nós é que inventamos ele.
    Talvez consigamos desinventá-lo.

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  6. "Talvez consigamos desinventá-lo."!!!

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