Páginas

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Atravessando o aglomerado - como o vejo

Tenho a impressão de que tudo é estar numa imensa paisagem sem sentido, sem prumo. O corpo solto e o desânimo casual abrem espaço pra uma metáfora da insanidade coletiva. Pés é como se fosse o equilibrar-se na vida cotidiana, sempre patética, reprimidinha. Passamos por vários símbolos de soluções para a ligação com o mundo: devagarzinho nos aproximamos, dança doida ou surtos esporádicos, haribonismos ou paz na bolha, seduções, joguinhos, putices, chutando o balde, exaustões. Parece um prelúdio pra tudo o que virá, pés parece guardar um pouco de tudo, uma panorâmica no viver tentando. "Comece de uma maneira amigável", viver com outro é sempre abordá-lo, de canto, de frente, de costas, aos berros ou mudo, nunca imóvel. Olhar o público nos olhos é dar os próprios olhos e assumir a presença. O estado de presença seria assumí-lo? Exposição. E a vida parece ser nunca estar satisfeito. Nos ossos sinto isso, a posição incorreta, o eterno desencaixe, a tremenda desilusão. O objeto quase nunca me interessa, tão desinteressante já me parece ser e estar. E o que fazer? Fazer o que na vida? Assim, assim, assim, assim, em eterno fluxo resultando nada. Isso seria uma dádiva sob outro ponto de vista. Assumir a falta de sentido de tudo poderia gerar uma certa inteireza, um certo encanto, mas... como essa consciência ainda não veio, nos arrastamos no caos injustificável, vida objetal, mecânico-contemplativa, escapando do minuto, vontade de transcender essa bobagem. O aglomerado traz o constrangimento, que me parece ser o fato de estarem todos juntos sustentando esse cenário. Essa condição humana. E há o momento em que todos se percebem percebendo a esquisita patetice de se serem e quase deixam de sê-lo. Resvalam numa outra possibilidade, mas um outro vapor quente bate na cara e os ossos fraquejam outra vez. A inércia venceu a vida. A inércia é o triunfo da rotina, do racionalismo, é em si a própria instituição da vida que aprendemos a viver. A micro estrutura, o esqueleto, está sucumbindo à macro-estrutura social, somos todos sociofóbicos, psicóticos, esquizofrênicos, sedentos e carentes de quase tudo. Talvez por isso existam tantas Donas Ana! Num pensamento universalista-cósmico eu sempre penso Dona Ana como um buraco negro, em si, em si, em si. Os indivíduos são apenas montões de energia e matéria localizada num corpo e passam a vida tentando justificar a sua própria porção orgânica: eles mesmos, melhores ou mais interessantes que o mundo, que os outros trilhões de fenômenos de natureza iguais a dele. Haveria maneira de não ser Dona Ana? Eu mesmo sou tão parecido. Olha eu aqui. Em cena, decidindo-me. "Vejam o meu discurso, please, ou não terá valido nada estar aqui". Bla bla bla bla bla, estamos todos exaustos da Dona Ana em cada um. Relacionar-se é abordar. É vetor de si pra frente. Oi. Oi. Olá. Assim como é dialógico recuar. Nos cumprimentos, vejo o corpo convencional, com quatro setas. Para frente, para trás, para cima e para baixo. Quatro mensagens corporais resultando relação. Sobretudo me interessa explorar a potência silenciosa desse gestual, sem poesia. Essa dança pessoal que diz "eu aqui" em relação a você: me imponho, me inflo, me recolho (pro útero!), me priorizo. Sempre em relação. Esse gesto, onde nasceu? Sempre me parece que o simples fato de serem reconhecíveis esses quatro lugares, faz brotar ali alguns mistérios de vê-los acontecendo como quatro tiros convencionais da disponibilidade convencional, mecânica, plástica, quase escultural. Que monstros por trás de uma gramática do gesto? Que intenções cabeludas, que seres fodidos? Quem estaria atrás do aperto de mão sempre banal? Um animal pulsando o desejo de ser considerado, EU-AQUI, 'colunoso', hominídeo!, sendo-pra-ser-visto. E a dama com a mão estendida? Quanto desespero por ser lambida, lembida, lembrada, roçada, comida. E o mendigo, o podre, o ser que grita? Mais do que humilhado é uma porção material implodindo-se, tanto que é rejeitada, sei não, mas posso imaginar: como fica o ser com um olho que não troca olhar? O guarda, o poliça, o gesto que repele, o macaco bruto, aristocrata, escravocrata, gordo-banqueiro, o sai-pra-lá-não-importa-quem, meu pai, o pai da Lorena, os pais reprimidos. Parede. Observo a Márcia sobrar dessa multidão histérica e revelada, raspando a garganta, intoxicada, escrota, penso ali como um lugar no futuro da vida de cada um ou da própria humanidade em que se cospe o próprio monstro, a gente se descobre fedendo aos próprios talentos. Pra que serviam os cumprimentos, todos cuspidos no chão da rodoviária onde todo mundo atropela todo mundo e ainda assim somos estranhamente felizes. Fico curioso com o entusiasmo contemporâneo pela sujeira e pelo popular e o popularesco. A sujeira revela? Vou me sentar.

Reflexões do início da estrutura até cena da Márcia. Algumas imagens discursivas que percebo.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

não julgueis

(...) “Não Julgueis”, e este é um dos maiores ensinamentos jamais proferidos por qualquer homem no mundo. Isso é uma das coisas mais impossíveis para a mente. A mente julga de imediato; sem qualquer base, a mente faz um julgamento. Você fez muitos julgamentos, sem sequer ver se existia ou não alguma base para eles. (...)
Todo julgamento é errado, porque o mundo todo está tão profundamente interligado que, a menos que você conheça o todo, não poderá conhecer a parte. Uma coisa leva à outra, porque está interligada. O momento presente está interligado com o todo o passado e com todo o futuro. Neste momento culmina toda eternidade. Tudo que aconteceu está aí. Como você pode julgar? O mundo não está divido. Se estivesse dividido, então um fragmento poderia ser conhecido, mas o mundo é uma totalidade. Todos os julgamentos são falsos porque são parciais – eles vão reivindicar como sendo o todo.
(...) “Não julgueis”, porque o próprio julgamento vai fechar você; será uma morte interior. Sua sensibilidade estará perdida, e com ela a sua possibilidade de crescimento. No momento em que julga, você diminui, você para;  não floresce mais.
Assim, a maior coisa é ser corajoso o bastante para não julgar. Na verdade, suspender um julgamento é maior coragem, porque a mente está tão ansiosa para julgar, para dizer bom ou mau, certo ou errado. A mente é adolescente, pula de um julgamento para outro. Se você quiser algum dia sair da mente – e sem isso não há possibilidade de crescimento interior –, então: “não julgueis”.

RAJNEESH, Bhagwan Shree, 1931 – 1990. Antes que você morra/Osho; Tradução de Ma Dhyan Wanda, Swami Edivaldo – São Paulo: Mandras, p. 41, 2004. 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Trechos de "Como fazer amigos e influenciar pessoas"

Alguns princípios:

não critique não condene não se queixe

faça um elogio honesto e sincero

se errar, reconheça o erro imediatamente e com ênfase

comece de modo amigável

consiga que a outra pessoa diga "sim, sim" imediatamente

deixa a outra pessoa falar durante a maior parte da conversa

deixe a pessoa pensar que a ideia é dela

procure honestamente ver as coisas pelo ponto de vista alheio

mostre-se simpático às ideias e desejos alheios

10 
apele para os mais nobres motivos

11 
dramatize suas ideias

12 
lance um desafio

13 
chame indiretamente a atenção sobre os erros alheios

14 
faça perguntas em vez de dar ordens

15 
não envergonhe as pessoas

16 
faça a outra pessoa sentir-se satisfeita fazendo o que você sugere

-------------------------

o único processo pelo qual posso conseguir que você faça alguma coisa é dando-lhe o que você quer

Sigmund Freud disse que tudo em você e em mim emana de dois motivos: a necessidade sexual e o desejo de ser grande

a mais profunda das solicitações da natureza humana é o desejo de ser importante

quase todo adulto normal deseja uma sensação de importância

o mais profundo desejo da natureza humana é ânsia de ser apreciado

o desejo de sentir-se importante é uma das principais diferenças entre as pessoas e os animais. Sem esse desejo seríamos apenas como os animais.

algumas pessoas se tornam doentes muita vez para encontrar na terra dos sonhos da insanidade a consideração que lhes fora negada no áspero mundo das realidades

alimentamos os corpos dos nossos filhos, amigos e empregados, mas poucas vezes alimentamos a sua vaidade. nós lhes damos um bife com batatas para adquirirem energia, mas nos descuramos de dar-lhes palavras de estímulo que ecoarão nas suas memórias como a musica das estrelas matutinas.

muitas pessoas se sentem tão sedentas por apreciação que aceitam qualquer coisa, do mesmo modo que homem que está morrendo à fome, come até capim e minhocas.

qual é a diferença entre o elogio e a bajulação? é simples. um é sincero o outro não

não tenha medo dos inimigos que o atacam. tenha medo dos amigos que o bajulam

a ação emana daquilo que fundamentalmente desejamos e o melhor conselho que podemos dar às pessoas que tem necessidade de convencer alguém, seja nos negócios, no lar, na escola ou na política, é despertar na outra pessoa um desejo ardente. Aquele que puder conseguir isto terá todo mundo ao seu lado. Aquele que não o conseguir trilhará um caminho solitário.

a única maneira que existe na terra para influenciar uma pessoa é falar sobre o que ELA quer

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A coreografia pés é a primeira menção à disponibilidade. Nós no aqui-agora do improviso, corpo poroso para a troca, corpo vazio para ser preenchido. Um pequeno aglomerado que quer falar de um grande aglomerado. A dança tem um tom irônico: vejam como é fácil estar aberto, como é leve. Me lembra uma festa, todos sorriem, colocam a máscara da extroversão, da alegria despreocupada. É noite, à noite todos os gatos são pardos. O fim da coreografia é o começo da revelação de algumas fragilidades. Perde-se a vontade de continuar, a respiração revela um cansaço pós-carnaval. É como se o dia começasse bem cedo. Você está de ressaca e tem que ir trabalhar. Já faz calor e é maçante. Atravessar um dia em que as coisas não te atravessam. Há um desejo de levantar, mas a gravidade, o tédio puxam pra baixo. Um esqueleto se movendo a esmo. Pelo olho passa pouco ou quase nada. Lá fora a expectativa de ser como uma daquelas folhas, rodopiando livres pelo ar. Parece melhor, mais fresco. Seguem-se os abandonos - seres e objetos largados pelo caminho, sozinhos, cansados, acostumados à jornada. Escov... dent... um chap... pa.s.s.a.r o des.o.d..des.s.i...s..
Numa sala de espera, um segundo aglomerado. Agora as caras estão limpas. Solidão acompanhada. Domingo. Em Brasília.Tudo se move tão lento, tão lento que uma hora pausa. E nada. Não estou disponível. E alguém falando sem parar no meu ouvido. Não quero ouvir, tudo isso não passa de blablablablablablablablabla. Dona Ana não cala a boca. Há um desconforto, não sei onde sentar, onde colocar as mãos, onde olhar, tenho que ouvir mas não quero, tenho que estar presente quando estou ausente. Saaaaaaaaaaaaaaacooooooooooooooooooooooo.
...
Me desculpem. Desculpa por isso, tá? Vou colocar minha máscara, sim? Tá tudo bem. Tudo bem com você? Tudo bem? Ótimo. // Não querer saber. Pra fora. Virar a cara. Rejeição. / Coitadinho, aquele que ganha as coisas se fazendo de santo, de vítima (?) // Sedução.

Macaco:
Coloco a blusa em resposta à voz do Lupe. Como se ele dissesse uma verdade indizível. Como se ele espaventasse os delicados fios de teia de aranha da vida. É preciso esconder por completo, uma máscara em que não se veja nada, nem de fora, nem de dentro. A gente não se comunica porque não respira, não vê além do que se mostra. Nos tornamos um borrão de caras iguais, um aglomerado mudo, omisso, uniforme. Quase falamos, mas de nossas palavras nasce um ser que parece não ter a Inteligência. Grunhe, grita, bate, balbucia, tenta estabelecer um diálogo mas são todos primitivos. É assustador, as tentativas de comunicação são rápidas e a desistência também. Ninguém vai se ouvir? Ao menos aquele que fica por último...! Aquele que ignoramos, para o qual fazemos uma cara de nada. Ele não compõe a imagem - nos diriam os macacos de nós mesmos. A parede é confortável. O silêncio é confortável, embora doa - faz-se a cara de nada também por não se saber o que fazer.

O bonequinho tem a alegria histérica de um político. De um comercial de margarina. É a grama mais verde do vizinho. O Paraíso com as doze virgens ou uma mansão de ouro. Os cinco passos para ser bem-sucedido. A capa da revista NOVA. A Paris Fashion Week ou o casamento da coroa britânica. Somos nós sorrindo com uma boca enorme e cheia de dentes bem branquinhos para aqueles que são tão diferentes de nós, não é mesmo? Não é mesmo? É mesmo. É o mesmo. Eu existo. Não penso e existo. Eureca! O Livro que vai me ensinar a ser e estar!