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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A coreografia pés é a primeira menção à disponibilidade. Nós no aqui-agora do improviso, corpo poroso para a troca, corpo vazio para ser preenchido. Um pequeno aglomerado que quer falar de um grande aglomerado. A dança tem um tom irônico: vejam como é fácil estar aberto, como é leve. Me lembra uma festa, todos sorriem, colocam a máscara da extroversão, da alegria despreocupada. É noite, à noite todos os gatos são pardos. O fim da coreografia é o começo da revelação de algumas fragilidades. Perde-se a vontade de continuar, a respiração revela um cansaço pós-carnaval. É como se o dia começasse bem cedo. Você está de ressaca e tem que ir trabalhar. Já faz calor e é maçante. Atravessar um dia em que as coisas não te atravessam. Há um desejo de levantar, mas a gravidade, o tédio puxam pra baixo. Um esqueleto se movendo a esmo. Pelo olho passa pouco ou quase nada. Lá fora a expectativa de ser como uma daquelas folhas, rodopiando livres pelo ar. Parece melhor, mais fresco. Seguem-se os abandonos - seres e objetos largados pelo caminho, sozinhos, cansados, acostumados à jornada. Escov... dent... um chap... pa.s.s.a.r o des.o.d..des.s.i...s..
Numa sala de espera, um segundo aglomerado. Agora as caras estão limpas. Solidão acompanhada. Domingo. Em Brasília.Tudo se move tão lento, tão lento que uma hora pausa. E nada. Não estou disponível. E alguém falando sem parar no meu ouvido. Não quero ouvir, tudo isso não passa de blablablablablablablablabla. Dona Ana não cala a boca. Há um desconforto, não sei onde sentar, onde colocar as mãos, onde olhar, tenho que ouvir mas não quero, tenho que estar presente quando estou ausente. Saaaaaaaaaaaaaaacooooooooooooooooooooooo.
...
Me desculpem. Desculpa por isso, tá? Vou colocar minha máscara, sim? Tá tudo bem. Tudo bem com você? Tudo bem? Ótimo. // Não querer saber. Pra fora. Virar a cara. Rejeição. / Coitadinho, aquele que ganha as coisas se fazendo de santo, de vítima (?) // Sedução.

Macaco:
Coloco a blusa em resposta à voz do Lupe. Como se ele dissesse uma verdade indizível. Como se ele espaventasse os delicados fios de teia de aranha da vida. É preciso esconder por completo, uma máscara em que não se veja nada, nem de fora, nem de dentro. A gente não se comunica porque não respira, não vê além do que se mostra. Nos tornamos um borrão de caras iguais, um aglomerado mudo, omisso, uniforme. Quase falamos, mas de nossas palavras nasce um ser que parece não ter a Inteligência. Grunhe, grita, bate, balbucia, tenta estabelecer um diálogo mas são todos primitivos. É assustador, as tentativas de comunicação são rápidas e a desistência também. Ninguém vai se ouvir? Ao menos aquele que fica por último...! Aquele que ignoramos, para o qual fazemos uma cara de nada. Ele não compõe a imagem - nos diriam os macacos de nós mesmos. A parede é confortável. O silêncio é confortável, embora doa - faz-se a cara de nada também por não se saber o que fazer.

O bonequinho tem a alegria histérica de um político. De um comercial de margarina. É a grama mais verde do vizinho. O Paraíso com as doze virgens ou uma mansão de ouro. Os cinco passos para ser bem-sucedido. A capa da revista NOVA. A Paris Fashion Week ou o casamento da coroa britânica. Somos nós sorrindo com uma boca enorme e cheia de dentes bem branquinhos para aqueles que são tão diferentes de nós, não é mesmo? Não é mesmo? É mesmo. É o mesmo. Eu existo. Não penso e existo. Eureca! O Livro que vai me ensinar a ser e estar!

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