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quarta-feira, 21 de maio de 2014

CORAGEM AMOR, CORAGEM

O nome que se dá ao amor
Seja ele qual for,
Ou qual tipo seja
No primeiro gole de cerveja
Molha e mergulha as palavras
Talvez você saiba
Que arame que fura farpado
Mata o amor de infarto,
Que não é brincadeira

Cerca cercando
Gaiolando prendendo
Os braçøs abafando
O amor se encolhendo
Quase se convencendo
De que é assim sempre
O amor abafa a gente
Que nem polícia faz,
o amor é assim, né rapaz
corrente,
que prende
e
para.

Parem!
A minha boca fala de outro amor
amor coragem
Que é alicate
Torando a cerca
De qualquer pastagem

Amor Coragem
Que age
Sem mascara, sem disfarce,
Que escreve na própria face
As marcas da vida
Essa ideia fudida
De propriedade
Vai deixar de existir

Coragem, amor, coragem
Pois as pernas são pra caminhar
Pular catraca,
correr da repressão,
dançar na rua,
subir ladeira,
chutar bomba de opressão
as suas pernas amor,
são pra se confudir com as minhas
quando nessa estrada
tu caminhas e vai longe
e vai porque carrega
de monte
o movimento
das coisas

Coragem amor, coragem
Pra derrubar as dores que perseguem essas dias
Derrubar a apatia,
E claro, o presidente
Eu sei que nessa cidade tem um monte de gente
Que não liga para nada do que se diz
Eu ouvi,
Mas é que a coragem é assim
Rebelde, ousada,
Não respeita nada
E quando se junta com amor
Ela é o que há de mais revolucionária


CORAGEM AMOR, CORAGEM

https://soundcloud.com/pedrobombapoesia/amor-coragem

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A cidade e as trocas

extraído de As cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino: (grifos meus)


"Em Cloé, cidade grande, as pessoas que passam pelas ruas não se reconhecem. Quando se veem, imaginam mil coisas a respeito umas das outras, os encontros que poderiam ocorrer entre elas, as conversas, as surpresas, as carícias, as mordidas. Mas ninguém se cumprimenta, os olhares se cruzam por um segundo e depois se desviam, procuram outros olhares, não se fixam.

Passa uma moça balançando uma sombrinha apoiada no ombro, e um pouco das ancas, também. Passa uma mulher vestida de preto que demonstra toda sua idade, com os olhos inquietos debaixo do véu e os lábios tremulantes. Passa um gigante tatuado, um homem jovem com cabelos brancos; um anã, duas gêmeas vestidas de coral. Corre alguma coisa entre eles, uma troca de olhares como se fossem linhas que ligam uma figura à outra e desenham flechas, estrelas, triângulos, até esgotar num instante todas as combinações possíveis, e outras personagens entram em cena: um cego com um guepardo na coleira, uma cortesã com um leque de penas de avestruz, um efebo, uma mulher canhão. Assim, entre aqueles que por acaso procuram abrigo da chuva sob o pórtico, ou aglomeram-se sob uma tenda do bazar, ou param para ouvir a banda na praça, consumam-se encontros, seduções, abraços, orgias, sem que se troque uma palavra, sem que se toque um dedo, quase sem levantar os olhos.

Existe uma contínua vibração luxuriosa em Cloé, a mais casta das cidades. Se os homens e as mulheres começassem a viver os seus sonhos efêmeros, todos os fantasmas se tornariam reais e começaria uma história de perseguições, de ficções, de desentendimentos, de choques, de opressões, e o carrossel das fantasias teria fim."


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Por algum motivo, para mim, esse trecho remete ao conceito de Self-Obliteration (auto-obliteração) da Yayoy Kusama (que estava em exposição no CCBB). Ela prega a auto-obliteração como única maneira de se "salvar" de um mundo de "desejos sórdidos", que envolvem os indíviduos em "frustrações sexuais" geradas numa sociedade reprimida. Em uma carta, ela diz que só quando essas frustrações forem ultrapassadas, conseguiremos retirar do sexo a centralidade que insiste em lhe ser atribuída e experimentaremos livremente a diversidade de temas e vivências da experiência humana na arte e no cotidiano como arte.

"Self-obliteration is achieved through the protagonist’s physical death while salvation is
made possible through surrendering  itself to the state of nothingness and void." - algo como: a auto-bliteração é alcançada por meio da morte física do sujeito que a protagoniza, enquanto a salvação só é possível por meio da rendição de si mesmo à condição de insignificância e nulidade.

Não entendo muito da Kusama, mas é um link possível. Penso bastante que a angústia gerada pela dependência emocional tem a ver com a centralidade do sexo e o hábito de encarar a vida humana fundamentalmente pela literalidade do sexo, enquanto que se o ato sexual e as relações pudessem ser encaradas como apenas um procedimento de troca energética (sem misticismo!), ele equivaleria a qualquer outro momento da experiência de presença, que é intensa e dinâmica (se estabelece na troca). Nesse sentido, qualquer produção de presença tem o potencial de provocar o êxtase, o orgasmo: ponto alto de excitação corporal. Penso assim e acredito que talvez a outra ponta da apatia (e da introversão) seja, quem sabe, o êxtase, o orgasmo. Por um orgasmo em todos os órgãos, visualizo produções de presença em grande escala: é preciso olhar dentro dos olhos e exercitar deixar-se ver em vez de ver, deixar-se ser olhado, em vez de olhar, perceber-se sendo flagrado em sua existência, como se algo, de repente, no meio de tudo que apenas flui em imensa ignorância localizasse você e se conecta-se por um instante. Isso significa o que? Por que isso parece bom? Vejo cabeças com olhos que olham pra dentro - como se não estivessem presentes - corpos que se cruzam sem se esbarrar (como em Cloé) - que nem atores, quando alguém pede 'caminhando pelo espaço'. Duros, rígidos. E se de repente, por acidente, acontece um olhar, o que acontece?

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Afeto em Espinoza: esperança

É preciso olhar para esses conceitos levando em conta que o Espinoza divide todos os afetos entre grupos de alegria e de tristeza, em que a alegria é tudo aquilo que tendo provocado o corpo, o potencializa; e a tristeza, tudo aquilo que, tendo provocado o corpo, o diminui ou reprime em seu potencial de ação. Ele diz:

"Qualquer coisa, pode ser, por acidente, causa de esperança ou de medo." já que para ele, não há esperança sem medo, nem medo sem esperança. Isso caracteriza uma tensão de afetos: uma flutuação da alma (ou do ânimo).

Sobre a oposição (explícita) entre esperança e nostalgia, eu me equivoquei (apesar de me fazer sentido). Ele faz um paralelo entre esperança e medo, na verdade:

"Com efeito, a esperança não é senão uma alegria inconstante, surgida a partir de uma imagem de uma coisa futura, de cuja realização duvidamos. Por outro lado, o medo é uma tristeza inconstante, surgida também a partir de uma imagem duvidosa. Se desses afetos se suprime a dúvida, a esperança resultará em segurança, e o medo resultará em desespero. A satisfação é uma alegria surgida a partir da imagem de uma coisa de cuja realização duvidávamos."

Achei um artigo interessante que fala da flutuação:
http://www.fflch.usp.br/df/espinosanos/ARTIGOS/numero%2018/valeria18.pdf
"A flutuação do ânimo ocorre por obra da variação do conatus, ou seja, do esforço do indivíduo de perseverar na existência em seu duplo aspecto: mecânico (para manter a relação de movimento e de repouso que o caracteriza) e dinâmico (para aumentar sua potência de agir)"

... e outro Sobre o medo e a esperança em Espinoza:
http://uninomade.net/wp-content/files_mf/113003120859Sobre%20o%20medo%20e%20a%20esperan%C3%A7a%20em%20Baruch%20de%20Espinosa%20-%20Gerardo%20Silva.pdf